Quando se fala de trabalho ou atividade pro bono a primeira ideia que pode ressaltar é a de que se trata de trabalho ou atividade “de borla” ou “à borla”, o que significaria que a tradução da palavra latina “bono” seria “borla” atendendo até à circunstância de ambas as palavras se iniciarem pelas letras “bo”.
Ainda que seja verdade que uma das características da atividade pro bono é a da sua gratuitidade, limitá-la a essa característica é extremamente redutor e isso mesmo resulta do verdadeiro conceito ora em causa.
Na verdade, a expressão em latim “pro bono” significa “para o bem” e isto confere toda uma nova luz à realidade que estamos a analisar. Ou seja, o que está realmente em causa não é a atividade ser gratuita mas ser realizada para o bem.
O Bem é, reconhecidamente, um dos conceitos fundamentais da ética e já Aristóteles ensinava que o Bem “é aquilo a que todos os seres aspiram”.
Numa sempre difícil formulação do que é o Bem, tal a dimensão e profundidade do conceito, todos reconhecem que estamos a falar do que é bom, justo, licito, honesto, valioso, louvável e conforme à moral.
Chegados aqui, temos então que reconhecer que quando falamos especificamente de trabalho ou apoio jurídico em regime pro bono tal deve traduzir-se em prestar serviços jurídicos para o bem, com os contornos que ficaram indicados.
Mas, para o bem de quem e como?
Desde logo naturalmente para o bem da pessoa ou entidade a quem o serviço é prestado que logra obter assistência e acompanhamento para questões ou problemas jurídicos com que se debate e que de outra forma não conseguiria ter.
Mas para que este objetivo seja atingido é evidente que o destinatário do serviço tem de ser alguém cuja missão e propósito sirvam o mesmo fim de fazer o bem, já que seria uma evidente contradição estar a prestar um serviço pro bono, ou seja, para o bem, a quem não prossegue o mesmo ideal, sendo ainda mais absurdo se o beneficiário prosseguir fins radicalmente opostos ao bem já que nesse caso a atividade não seria “pro bono” mas “pro malum”.
Daí a importância fundamental de uma criteriosa análise e ponderação na escolha das pessoas ou entidades a quem o apoio jurídico pro bono deve ser prestado. Ao contrário do ditado popular de “fazer o bem sem olhar a quem”, a atividade pro bono deve ser objeto de um olhar muito atento sobre o beneficiário da mesma e de um escrutínio rigoroso sobre os fins que se propõe atingir.
A par disto, o próprio apoio ou serviço a prestar em pro bono deve prosseguir objetivos que sejam compatíveis com o bem. Por muito louvável e merecedora de confiança que possa ser a entidade a quem se presta serviço pro bono, se a causa a defender ou o resultado da assistência a prestar não forem justos ou eticamente aceitáveis, esse serviço não deve ser dado.
Por outro lado, o que a experiência também nos diz é que a atividade pro bono não faz apenas bem a quem dela beneficia, mas também faz muito bem, e por vezes ainda mais, a quem a executa.
Quem já teve a oportunidade de prestar apoio a uma causa digna e nobre com um puro fito de serviço a quem, por falta de meios, não teria a possibilidade de obter esse mesmo apoio e, no final, verificar que a sua disponibilidade para o fazer em regime de pro bono e o resultado do seu trabalho fez a diferença em favor de quem realmente dele necessitava e o merecia, sentirá um sentimento de alegria e felicidade que nem sempre conseguirá na execução das tarefas diárias pelas quais é remunerado. Nessa ocasião, reconhecerá quão verdadeiro é o ensinamento de que “é melhor dar do que receber”.
Daqui decorre que a atividade pro bono também faz muito bem às organizações que a promovem e realizam. Na área especifica a que nos reportamos, uma sociedade ou um escritório de advogados que adota na sua organização uma prática regular de apoio jurídico em regime pro bono, não só cumpre uma função social de grande valor como beneficia de tudo quanto de positivo daí resulta, desde o impacto inerente ao crescimento e maior realização pessoal e profissional por parte dos seus membros envolvidos nessa atividade até à abertura de todo a estrutura a novos valores e propósitos que a tornam melhor, mais empenhada e, consequentemente, mais produtiva.
Se passarmos dos sujeitos do trabalho pro bono para o modo como o mesmo deve ser exercido importa deixar claro que uma das condições essenciais para que o trabalho seja para o bem é a de ter de ser bem feito. Não se pense, com efeito, que o trabalho pro bono, por não implicar remuneração direta nem o escrutínio de quem exige qualidade e resultados como contrapartida do que paga, merece menos cuidado, menos empenho ou menos profissionalismo. Quem entender que, por ser em pro bono, o trabalho pode ser feito com maior ligeireza e que, para o que se paga que é nada, qualquer coisa serve, não sabe que isso não é trabalho pro bono mas apenas um mau serviço que mais valia não ser prestado. Fazer bem o bem é pois um elemento indispensável para que o apoio pro bono possa ser como tal qualificado.
A concluir deixo uma nota pessoal. Sendo estes os princípios em que acredito e que defendo, é com grande satisfação que verifico que a Abreu Advogados, que integrei há alguns anos, os promove e desenvolve desde a sua fundação. Num processo de constante desenvolvimento e estruturação, a Abreu conta hoje com uma Comissão de Pro Bono responsável pela definição e implementação de um Programa Pro Bono mediante o qual coloca ao serviço da comunidade e de quem necessita a excelência do saber e dos conhecimentos jurídicos nas diversas áreas em que atua, numa clara resposta às exigências decorrentes da responsabilidade social que reconhece ter. Que muitos mais sigam o seu exemplo!
Henrique Trocado | Abreu Advogados